Prefeito de Itaguara recebe quase 8 vezes a média salarial da população
- Dionatan Resende

- há 1 dia
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Minha maior crítica à gestão itaguarense é que a cidade parou no tempo. Não falo aqui de obras visíveis ou de eventos no calendário, mas de algo mais profundo: a incapacidade de dialogar com novas tecnologias, governança orientada a dados e uma gestão verdadeiramente técnica, baseada em evidências.
Em pleno século XXI, quando qualquer decisão pública relevante deveria vir acompanhada de indicadores, metodologia e avaliação de impacto, Itaguara ainda insiste em governar “pro rumo”.
O caso das festas: opinião não é dado
Um caso emblemático é a avaliação de eventos culturais promovida pela prefeitura por meio da Associação dos Comerciantes de Itaguara (ASCOMIT). Em publicação oficial da prefeitura no Instagram (hoje não mais disponível), a ASCOMIT apresentou um “estudo” consultando comerciantes da cidade para determinar o sucesso do Festival de Inverno. A maioria dos participantes respondeu que o evento foi bom – e isso foi tomado como validação.
O problema é que essa metodologia é frágil demais para o tamanho do gasto envolvido.
Um festival de grande magnitude, com investimentos significativos, exige análises multifatoriais, considerando, por exemplo:
impacto econômico (receita gerada x custos),
métricas sociais (participação da comunidade, satisfação geral da população, não só de quem lucrou com o evento),
aspectos ambientais (sustentabilidade e impactos locais).
Limitar-se à opinião subjetiva de um grupo diretamente interessado ignora ferramentas como pesquisas quantitativas estruturadas, modelagem econométrica ou uso de dados de geolocalização para medir fluxo de pessoas e consumo. Não é simples – mas é exatamente esse tipo de rigor que justifica gasto público de alto valor.
O aumento dos subsídios: média regional, lógica torta
Outro episódio revelador foi o aumento dos salários dos agentes públicos. Acompanhei de perto as discussões na Câmara. Lembro-me do então presidente, senhor Zé Hilton, explicando que se chegou ao valor dos subsídios em Itaguara a partir de uma “média” dos salários da região, para encontrar um denominador comum.
Na minha perspectiva, isso não faz sentido algum, porque cada município tem uma estrutura econômica própria, com:
nível de riqueza específico;
perfil produtivo particular;
capacidade de arrecadação distinta.
Colocar tudo no mesmo balaio e tirar uma “média regional” é fingir que:
Itaguara é igual a Itatiaiuçu, que tem PIB per capita acima de R$ 600 mil por habitante ao ano, puxado pela mineração pesada;
Itaguara é igual a Jeceaba, com PIB per capita superior a R$ 400 mil, também dependente de grandes empreendimentos;
e que essa realidade é comparável à de um município com PIB per capita em torno de R$ 30 mil por habitante, como é o caso de Itaguara.
Ou seja: em vez de perguntar “quanto Itaguara suporta pagar de forma responsável?”, a Câmara Municipal preferiu perguntar “quanto os outros estão pagando?”. É uma lógica que trata salário de prefeito como etiqueta de prateleira, não como decisão política que deveria estar ancorada na realidade econômica e social do município.
Em síntese, está amplamente disseminada na governança municipal uma cultura de “ir por rumo”, sem bússola técnica.
Por isso resolvi fazer um pequeno estudo
Foi justamente diante desse cenário que resolvi trazer um pequeno estudo, para mostrar – ainda que de forma simplificada – como a estrutura econômica de Itaguara pode (e deve) ser analisada a partir de indicadores econômicos.
No primeiro recorte, olhei para Itaguara:
o prefeito ganha R$ 20 mil por mês;
a renda média do trabalhador gira em torno de 1,8 salário mínimo.
Ou seja, o prefeito recebe quase 8 vezes a renda média da população, e esse dado fica ainda mais evidente quando comparamos com cidades vizinhas.

Com base em PIB per capita, média salarial e salário do prefeito, montei tabelas comparativas e alguns indicadores.

Mesmo com um conjunto limitado de informações, já é possível extrair conclusões interessantes:
Municípios com gestão salarial mais coerente: Itatiaiuçu, Jeceaba e, em menor medida, Piracema apresentam relação mais equilibrada entre capacidade econômica e remuneração do gestor.
Situações críticas: Bonfim e Piedade dos Gerais pagam salários incompatíveis com suas realidades econômicas, o que pode comprometer a margem de investimento em serviços públicos essenciais.
Caso Belo Vale: tem o salário mais elevado do grupo, com PIB per capita modesto e população de baixa renda, exigindo uma justificativa muito sólida que, até aqui, não aparece.
Fontes utilizadas: IBGE (PIB e salários médios) e portais de transparência municipais (salários de prefeitos). Em alguns casos, utilizei estimativas baseadas em médias regionais, quando os dados exatos não estavam disponíveis – justamente para mostrar que, mesmo com informações limitadas, já é possível avançar no debate.
Quanto seria um valor “ideal” para Itaguara?
A pergunta que fica é: quanto o prefeito de Itaguara deveria receber?
Em um cenário ideal, haveria um estudo mais robusto, com modelos estruturais, projeções de receita, análise de demanda por serviços e compromissos de investimento. Mas, mesmo usando apenas esses indicadores, já dá para dar alguns passos.
Uma proposta usada em debates de reforma política e administrativa é criar tetos salariais
vinculados a indicadores econômicos, como:
percentual do PIB municipal,
percentual da receita corrente líquida,
múltiplos da renda média do município.
A ideia é simples:
o salário do prefeito sobe ou desce junto com a realidade da cidade que ele governa.
Se a economia cresce, o salário acompanha. Se a cidade empobrece, o salário fica sob pressão também.
Esse tipo de regra cria um alinhamento de incentivos: o prefeito passa a ter mais responsabilidade direta e simbólica sobre a prosperidade local, já que o padrão de remuneração dele fica ligado ao desempenho da cidade.
Aplicando essa lógica a Itaguara, cheguei – com base nas fórmulas e dados disponíveis – a um teto de 0,05% do PIB municipal como parâmetro de sustentabilidade. Isso resultaria em um:
Salário máximo do prefeito de Itaguara em torno de R$ 17.800,00 por mês.
Ou seja, abaixo dos R$ 20 mil atuais, mas ainda um valor alto, compatível com a responsabilidade do cargo e, ao mesmo tempo, mais próximo da realidade econômica do município.
Não é sobre pessoas, é sobre modelo
Mesmo que Itaguara ainda não tenha esse tipo de mecanismo, trazer esse debate já é um passo importante para mostrar como nossa gestão parou no tempo.
Devemos questionar um modo de governar que:
não dialoga com dados,
não respeita a estrutura econômica local,
e decide temas complexos na base do “parece razoável” ou “é a média da região”.
Itaguara precisa, urgentemente, de uma governança orientada a evidências. Se conseguimos, com alguns indicadores básicos, mostrar que há distorções claras na política salarial, imagine o que seria possível fazer com um sistema de gestão moderno, transparente e tecnicamente qualificado.
Enquanto isso não acontece, o mínimo que podemos fazer é não naturalizar o absurdo: um prefeito que ganha quase oito vezes a média salarial da população, em uma cidade que ainda luta para garantir o básico.
Trazer números para essa conversa é, justamente, a forma de sair do “pro rumo” e começar, enfim, a falar de gestão.




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