Apresentamos a primeira parte de uma instigante entrevista com Gilson Lima, sociólogo e bancário natural de Itaguara. Neste domingo, Gilson compartilha um pouco de sua trajetória acadêmica e profissional e fala de seus laços com a cidade.
Gilson é bacharel em Ciências Sociais pela UFMG e possui mestrado em Administração Pública; além disso, possui quase quatro décadas de vivências profissionais no sistema financeiro. Embora resida atualmente em Brasília, Gilson mantém fortes laços com sua cidade natal.
A segunda parte desta entrevista será publicada ao longo desta semana.
SN - Inicialmente, poderia compartilhar um pouco sobre sua trajetória, destacando sua formação acadêmica e experiência profissional?
Gílson - Muito obrigado, Sagarana. Sinto-me honrado com esse convite. É prazeroso ver essa iniciativa de dar voz às pessoas e, em especial, aos itaguarenses. Quanto à minha trajetória, nasci e vivi em Itaguara até os 18, quando me mudei para Belo Horizonte para trabalhar e estudar. Sempre, porém, voltava nos finais de semana e, esporadicamente, quando me transferi para outras cidades, mais distantes. Quanto à formação acadêmica, formei-me em Ciências Sociais, pela UFMG, fiz dois MBAs em Administração: Logística, Operações e Serviços, e Gestão Estratégica. E, recentemente, o Mestrado em Administração Pública. Com relação à experiência profissional, tenho 37 anos de trabalho no sistema financeiro, exercendo diversos cargos e funções, em várias cidades, além de Belo Horizonte, como, Cataguases, Ribeirão Preto, Campo Grande e, atualmente, Brasília.
SN - Itaguara parece ter um papel significativo em sua vida. Poderia nos falar sobre seus laços familiares e suas relações com a cidade? Com que frequência visita Itaguara e já pensou em retornar para morar na cidade?
Gílson - De fato, Itaguara é a cidade do meu coração, das minhas origens e ainda mantenho fortes laços familiares e de amizade. Sempre que tenho disponibilidade, umas 04-05 vezes por ano, retorno para visitar os meus familiares e amigos. Quanto a voltar, definitivamente, com certeza está nos planos, não sei quando ainda, talvez daqui uns cinco ou seis anos.
SN - Com base em sua formação, com um mestrado em Administração Pública, você acompanha a gestão pública e a política em Itaguara? Na sua visão, quais são os principais desafios enfrentados pela cidade atualmente?
Gílson - Devido à distância, não acompanho tão de perto como gostaria. Contudo, é um tema que aprecio profundamente, sobretudo por reconhecer a enorme capacidade das políticas públicas em transformar a realidade das pessoas, especialmente, no âmbito municipal, onde a maioria delas é implementada, seja pelo executivo federal, estadual ou municipal.
Quanto aos desafios, acredito que sejam os mesmos enfrentados pela maioria das cidades brasileiras: como conciliar os problemas e demandas do dia a dia, fornecendo respostas rápidas e convincentes do ponto de vista do eleitor, ao mesmo tempo em que se mantêm o planejamento e os objetivos macroestratégicos de médio e longo prazo. Ou seja, é necessário atender às demandas urgentes e rotineiras e pontuais, sem perder de vista a visão de futuro, os objetivos a serem alcançados e as políticas públicas importantes que a administração pública deseja implementar nos anos seguintes.
Quando olhamos e estudamos soluções inovadoras e exitosas, percebemos que não se faz nada da noite para o dia, a mudança exige tempo, planejamento, método, persistência e objetivo, além de investimento, é claro. Se queremos mudar a realidade das diversas áreas, como saúde, educação, urbanização, segurança etc., precisamos ter objetivos claros e bem definidos, e a partir daí, então, estabelecer um planejamento factível, com métricas desafiadoras que atendam às necessidades da população. Um bom exemplo são os avanços na área de educação em pequenos munícipios do Ceará e a utilização de câmeras de vigilância, também, em pequenos munícipios do país.
SN - Como sociólogo, deve ser sensível à concentração de poder em Itaguara, com apenas 4 prefeitos em 36 anos. Por que acredita que isso acontece? Existe alguma explicação para a consistente reeleição dos prefeitos?
Gílson - Acredito que não seja uma realidade apenas de Itaguara. Quando olhamos para os demais níveis, estadual e executivo, percebemos que, também neles existe uma baixa alternância, e, a meu ver, alguns fatores podem contribuir com essa concentração. Um de ordem cultural, aliado ao baixo sentimento de comunidade e senso público. Que dialoga com a obra Comunidade e Democracia, de Robert Putman, que correlacionou a alta densidade de associações à existência de relações sociais de reciprocidade como as principais premissas para uma democracia forte e de um engajamento cívico efetivo.
Ou seja, quanto mais inclusiva e mais participativa a sociedade, com associações, sindicatos e outras organizações sociais, maior o sentimento público e consequentemente maior a possibilidade do surgimento de novas lideranças.
Outros dois fatores, de ordem institucional, são aqueles que tratam do desenho e da organização da sociedade, como os partidos políticos e as regras de participação, mais especificamente das eleições. O primeiro diz respeito à quantidade de partidos hoje existentes, que a meu ver é extremamente alta, 29 partidos registrados, o que leva a uma baixa representatividade, credibilidade e ausência de penetração junto ao eleitor, principalmente nos munícipios. Outro fator diz respeito à possibilidade de reeleição, para os cargos executivos, o que favorece, significativamente, os governantes em exercício no cargo e, como consequência, desestimula a competição.
SN - Nas eleições presidenciais de 2002, 2006 e 2010 a esquerda venceu em Itaguara (Lula e Dilma respectivamente) e em 2014, 2018 e 2022 a direita venceu (Aécio e Bolsonaro respectivamente). Há uma questão cíclica? A esquerda deve voltar a ganhar em Itaguara em 2026 na sua opinião?
Gílson - Pode ser que sim, pois o componente nacional acaba interferindo muito na percepção das pessoas e inclusive no posicionamento frente aos candidatos e na organização partidária dos munícipios. A força do executivo federal acaba sendo muito visível, nas eleições municipais e geralmente o partido do presidente consegue eleger um número significativo de prefeitos nos pleitos seguintes, como você bem exemplificou. Porém, a meu ver, o nome do candidato e a sua trajetória, ainda são fatores determinantes na escolha dos eleitores, principalmente, nos munícipios menores, onde a proximidade com os candidatos é muito maior.
Além disso, a enorme fragmentação partidária brasileira, ou seja, a enorme quantidade de partidos e a baixa capilaridade destes, contribui com a falta de identificação dos partidos, na sociedade. O que reforça a pessoalização do candidato e a dificuldade tanto deles quanto do cidadão em se posicionar entre esquerda e direita, no âmbito municipal. A dicotomia entre esses polos, pode soar como algo muito abstrato e fora da realidade concreta das pessoas, ou seja, os problemas cotidianos acabam se sobrepondo aos demais.
SN - Diante das próximas eleições municipais em Itaguara, com o atual prefeito impedido de concorrer, como avalia o cenário político? Acredita em uma tendência de renovação ou manutenção do poder?
Gílson - Não tenho acompanhado de perto as movimentações em relação aos candidatos e geralmente há uma indefinição normal, nessa época do ano, e ou até mesmo alguns ensaios para testar os nomes e possibilidades. Porém, conforme disse, anteriormente, a cultura e o desenho institucional têm forte impacto na definição do resultado das eleições e como, esse ano, o candidato atual não pode concorrer, acredito que exista uma grande probabilidade de aumentar a quantidade de candidatos e, por consequência, a alteração de forças.
SN - O legislativo em Itaguara costuma ter uma renovação superior a 50%, enquanto a média nacional é de 30%. Qual é a sua interpretação para esse fenômeno? Por que há tanta renovação no legislativo local?
Gílson - É uma excelente pergunta e daria uma ótima pesquisa. A minha percepção é de que há uma enorme falta de compreensão do cidadão, de modo geral, em relação ao papel do legislativo, o que é corroborado com algumas pesquisas que indicam o Congresso com uma das instituições menos confiáveis do país. Nos munícipios, acredito que seja ainda pior, devido à falta de clareza quanto ao papel e alcance do legislativo local. Isso leva a um reduzido interesse pelo processo eleitoral, para o legislativo local, bem como pela qualidade dos candidatos.
Ou seja, se o cidadão não valoriza e nem se preocupa com a qualidade dos futuros vereadores, o voto tende a ser determinado mais pela relação de amizade, do que com o funcionamento da instituição como um todo. Mas, como disse, é uma hipótese e um assunto que deve ser aprofundado.
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