55 anos da Biblioteca Pública Guimarães Rosa
- Alisson Diego
- há 6 horas
- 3 min de leitura

Nesta semana, a Biblioteca Pública Guimarães Rosa completa 55 anos de existência: um lugar de encontros, afetos e horizontes ampliados. Mais do que um prédio ou um acervo livresco, ela é um lugar de encontros — entre livros e leitores, entre gerações, entre ideias e sonhos. Nesse espaço muitas crianças descobrem o encanto das palavras, jovens se iniciam no mundo do conhecimento e da leitura e os adultos encontram refúgio e inspiração.
Coincidentemente, nesta mesma semana em que celebramos mais de meio século da nossa Biblioteca Pública em Itaguara, o Brasil voltou se depara com dados preocupantes sobre o analfabetismo funcional: 29% da população entre 15 e 64 anos apresenta dificuldade em compreender textos e realizar operações simples, segundo o novo levantamento do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado nesta segunda-feira (05/05). Número alarmante, que nos lembra algo essencial: ler não é apenas decodificar palavras, mas compreender, interpretar, refletir — e participar da vida em sociedade com autonomia.
Ao mesmo tempo, o país comemora um avanço no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), tendo subido cinco posições no ranking global, alcançando o 84º lugar. Uma boa notícia, sem dúvida. Mas é preciso dizer: nenhum avanço será verdadeiramente consistente se não tivermos uma política contínua e profunda de valorização da leitura, da formação crítica e do acesso à cultura.
É precisamente nesse ponto que a Biblioteca Guimarães Rosa revela sua imensa importância no seio da comunidade itaguarense. Criada em 4 de maio de 1970, por meio da Lei Municipal nº 384, ela foi inicialmente instalada na casa de Wandy Silva, anexa à histórica Farmácia Santa Luzia e contava com menos de 100 volumes. No início da década de 1970, foi transferida para uma sala no prédio da Prefeitura, onde permaneceu por quase duas décadas, crescendo em acervo e em significado comunitário. Passou por outros endereços até conquistar sua sede própria, há 25 anos, na Rua Mário Lima, nº 139 - espaço que hoje abriga mais de 30 mil volumes.
Tive a honra de acompanhar essa história de perto. Desde menino, fui um frequentador assíduo da biblioteca, espaço que contribuiu muito em minha formação. Guardo lembranças vívidas daqueles tempos infantis em que descobria o mundo pelas páginas de Alaíde Lisboa, Monteiro Lobato, Vicente Guimarães, Jonathan Swift e tantos outros clássicos da literatura infantil. Na adolescência, minha sede de leitura ganhou novos contornos: foi mais uma vez na Biblioteca que mergulhei tanto nos mistérios do ocultismo quanto na densidade da grande literatura. Lembro-me de pegar emprestado, quase religiosamente, livros de Paulo Coelho, Gurdjieff, Helena Blavatsky, Aleister Crowley, Eliphas Levi — autores que me despertavam para dimensões da existência. Mas também com frequência às prateleiras da literatura brasileira: li e reli Os Ratos, de Dyonélio Machado, e devorei, com reverência e encantamento, toda a obra de Guimarães Rosa, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino. A biblioteca foi, para mim, uma verdadeira escola de inquietações — místicas, filosóficas e literárias.
Um pouco mais tarde, como prefeito, colaborei para sua modernização e fortalecimento, ampliando seu acervo e suas condições de funcionamento. Também tive a alegria de receber, por três vezes, a visita de Vilma Guimarães Rosa, filha do escritor que dá nome à nossa biblioteca — e que esteve sempre encantada com a forma como Itaguara honra a memória e o legado de seu pai.
São Tomás de Aquino dizia: “Temo o homem de um só livro”. Porque quem lê apenas uma obra — ou quem se fecha a um único modo de pensar — corre o risco do fanatismo, da ignorância, da intolerância. Por isso, a biblioteca é um antídoto contra o pensamento único: nela se encontram vozes plurais, estilos diversos, ideias que se chocam e se completam. Ler é, acima de tudo, abrir-se ao mundo.
E por mais que estejamos imersos num tempo de telas e algoritmos, sigo acreditando no livro físico — no seu cheiro, no seu peso, na sua presença. Uma biblioteca não é apenas um “lugar de guardar livros”. É um espaço afetivo, uma escola de humanidade. Ela resiste porque é necessária. E resistirá, enquanto houver leitores, enquanto houver Itaguara.
Nesta data especial, quero aqui fazer uma menção especial às bibliotecárias e profissionais que passaram pela Guimarães Rosa ao longo dessas décadas. Mulheres dedicadas e generosas que ajudaram a formar leitores e cidadanias, cuidando do acervo e das pessoas com igual esmero. Aos leitores, que são a razão de ser da biblioteca, meu mais profundo respeito. Eles fazem da biblioteca um organismo vivo, pulsante, resistente ao tempo e às modas.
Parabéns à Biblioteca Pública Guimarães Rosa pelos seus 55 anos. Que venham muitos outros, sempre com novas estantes, novos leitores, e a mesma vocação: ampliar horizontes e formar gente, com liberdade, com beleza, com profundidade.
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