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🌳 O Brasil se veste de ipê

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Com a chegada do inverno, cidades e campos de todo o país se transformam em cenários do florescer dos ipês, árvore-símbolo nacional que colore ruas, parques e paisagens inteiras.


É um espetáculo sem palco, holofotes ou ensaio. Basta que julho se aproxime e o inverno avance para que os ipês assumam seu protagonismo silencioso, convertendo ruas, praças e avenidas em verdadeiros corredores de cor. Amarelos, rosas, roxos e brancos, eles florescem com intensidade, lembrando que, mesmo nos períodos mais secos e áridos do ano, a vida sempre encontra um jeito de se renovar. Em 1961, o então presidente Jânio Quadros assinou o decreto que oficializou o ipê como árvore-símbolo do Brasil.


Não há brasileiro que não tenha parado, ao menos uma vez, diante de um ipê em flor. Seja no sertão, no cerrado ou nos grandes centros urbanos, o fenômeno se repete de forma democrática, encantando olhos e corações. “O ipê é uma marca registrada da paisagem brasileira”, explica o engenheiro florestal Ricardo Mendes, da Universidade Federal de Viçosa (UFV). “São árvores nativas que se adaptaram muito bem a diferentes biomas, resistindo a solos pobres e a longos períodos de estiagem.” Do ponto de vista científico, o ipê pertence ao gênero Handroanthus e é considerado uma das árvores mais valiosas da flora nacional. Sua madeira, tão densa que afunda na água, possui alta durabilidade natural. Segundo o Instituto Brasileiro de Florestas (IBF), a vida útil da madeira de ipê pode ultrapassar 30 anos em condições de exposição severa e chegar a mais de 50 anos em construções protegidas. Essa resistência faz dela uma das preferidas na construção civil, em decks, pisos e mobiliário de alto padrão.


Estudos indicam que um ipê pode viver de 70 a 100 anos, dependendo das condições do solo e do clima. É uma árvore que alia longevidade e rusticidade: cresce lentamente, mas com segurança, podendo atingir até 30 metros de altura em algumas espécies. O engenheiro ambiental Paulo Duarte, pesquisador do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), acrescenta: “Além da beleza, o ipê tem grande importância ecológica. Suas flores atraem abelhas, beija-flores e outros polinizadores essenciais à biodiversidade. No auge da floração, é comum observar um verdadeiro balé de insetos e pássaros em torno da copa colorida.” Cada espécie floresce em um período, prolongando a temporada de beleza entre o inverno e o início da primavera. O ipê amarelo costuma abrir alas entre julho e setembro, iluminando avenidas com sua cor vibrante.


O ipê-roxo surge em julho e agosto, imponente e profundo. O ipê-branco dá seu espetáculo entre agosto e setembro, destacando-se pela delicadeza quase etérea. Já o ipê-rosa floresce de maio a agosto, pintando de ternura o período mais seco do ano. É como se o Brasil vestisse, mês a mês, uma nova roupa, trocando tons e contrastes em um desfile natural.


Na prática, o ipê é também poesia concreta. Em Brasília, os amarelos competem em brilho com o sol do Planalto Central. Em Belo Horizonte, o ipê-roxo rivaliza com o céu cristalino de inverno. Em São Paulo, os brancos se espalham pelas calçadas, formando tapetes de flores que emocionam pedestres. No interior, sobretudo no cerrado, há estradas inteiras ladeadas por ipês, como se a paisagem tivesse sido pacientemente pintada por um artista invisível.


Goiânia, reconhecida mundialmente como a capital mais verde do Brasil, abriga 33 bosques urbanos, além de espelhos d’água, hortos, reservas e áreas de preservação. Entre tantas espécies, os ipês se destacam, colorindo ruas e parques a cada estação. No calçadão do Lago das Rosas, que contorna o zoológico, a florada dos amarelos transforma o passeio em espetáculo: o céu ganha que reafirma Goiânia como capital da beleza vegetal, símbolo da identidade cultural e paisagística goiana. Não é apenas na paisagem que o ipê floresce. Sua beleza atravessou o campo e chegou à música caipira, eternizada na canção Meu Ipê Florido, de Liu e Léo, verdadeiro hino da memória rural. Símbolo de resistência e ternura, a árvore virou metáfora de saudade e esperança, inspirando violeiros a transformar flores em acordes. Na literatura, surge como imagem recorrente de renascimento. Cora Coralina, filha de Goiás, viu nele a tradução da simplicidade grandiosa do cerrado. Manoel de Barros, mestre das miudezas, transformava tudo em poesia, aproximou o olhar para revelar a grandeza escondida no cotidiano das mensagem de esperança nas flores do ipê.” Apesar do valor ornamental, o ipê enfrenta desafios. Sua madeira é tão valorizada que o corte ilegal ainda preocupa ambientalistas. Dados do IBAMA apontam que ele está entre as espécies mais visadas pelo desmatamento na Amazônia. Projetos de reflorestamento e plantio urbano buscam reverter esse quadro, incentivando o uso sustentável e a preservação. Por outro lado, no imaginário popular, o ipê sobrevive mais como símbolo do que como recurso econômico. Está presente em hinos estaduais, poemas, canções e na memória afetiva de quem um dia brincou sob suas flores caídas. Não é raro ouvir que o ipê-amarelo, em plena floração, parece ser “a bandeira do Brasil plantada na terra”.


De norte a sul, os ipês seguem sua temporada de encantamento. Mais do que árvores, são lembretes vivos de resistência e beleza que sobrevivem à aridez. Lições silenciosas espalhadas pelas cidades: mostrar que até nos períodos mais secos a flor pode surgir; que, mesmo quando tudo parece cinzento, o amarelo, o roxo, o branco e o rosa encontram espaço para se revelar. Enquanto durar o inverno, basta caminhar atento: em alguma esquina, quintal ou avenida haverá um ipê em flor. Nas estradas, pela janela do carro, veremos matas pontilhadas por suas cores. E diante delas, sempre haverá um olhar suspenso, uma pausa na correria, um instante de poesia que a natureza nos devolve sem cobrança e sem ruído.

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