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Comunicação: o fio da conversa

Comunicação: o fio da conversa
Comunicação: o fio da conversa

A comunicação é o que dá sentido às relações humanas: transforma silêncio em diálogo, aproxima até quem pensa diferente e se realiza nos mais diversos estilos de linguagem.


Quando Marshall McLuhan lançou sua enigmática teoria, o meio é a mensagem, talvez não imaginasse que, décadas depois, ela serviria tanto para entender a importância da televisão quanto para explicar o grupo da família no WhatsApp. A “aldeia global” que ele vislumbrava nos anos 60 hoje se parece mais com uma vizinhança barulhenta: um misto de feira livre, sala de aula, boteco ou festa de fim de ano da empresa, onde cada um grita sua meia verdade. As falas vêm agrupadas, tudo ao mesmo tempo. E, para completar, emojis e figurinhas animadas entram em cena.


E a comunicação? Essa é danada de caprichosa. Muda de tom conforme o bairro, a região, o bolso e até o humor do dia. A graça da comunicação está, antes de tudo, na gostosura da conversação: nos timbres da fala, no jeito como as palavras são lançadas para fora. Conversar não é apenas trocar palavras; é desfazer o silêncio, temperar o ritmo e jogar a bola com as ideias do outro. Tem gente que fala com vírgulas longas, quase em canto; outros, em pausas solenes, quase um sermão; há ainda os que disparam frases curtas, econômicas, na base do "tá ligado?", "sacou?". Cada estilo tem sua própria personalidade.


E como é saboroso esse cardápio de temas! No ponto de ônibus, a conversa é sobre a demora do "busão"; no salão de beleza, reina a novela da noite anterior. Na roda de amigos, tem assunto para encher o balaio: política (que logo esquenta), futebol de fim de semana, ou mesmo uma piada sem pé nem cabeça, só para esfriar os ânimos. O melhor é que cada um tempera como quer: há quem apimente com ironia, quem adoce com elogios, quem jogue sal grosso na ferida e os conciliadores de plantão. E cá entre nós, é essa diversidade que mantém viva a chama da aldeia global. Ninguém conversa do mesmo jeito, ainda bem!


McLuhan dizia que o meio é a mensagem. E, na oralidade, a mensagem também pode ser uma gargalhada, um suspiro, um gesto facial, um aceno de mão, um sorriso. Tudo isso comunica. No fundo, conversar é uma arte individual, validada pela liberdade, sem toques nem

reboques.


Se o Brasil fosse um enorme quintal, a linguagem seria o pomar que alimenta a imaginação de cada povo com seu linguajar característico, um dos valores culturais mais belos do brasileiro. Cada região tempera as palavras ao seu modo: no Nordeste, o "oxente" abre a conversa como quem abre a enciclopédia ao nascer do sol; no Rio, o "beleza" chega com o gingado de quem vem de chinelo de dedo; em São Paulo, o "da hora, meu acelera o ritmo do trânsito; em Minas... ah, em Minas tem o "uai". Palavra curta, redonda, sonora, graciosa, que serve para tudo: surpresa, dúvida, concordância, bronca e até carinho. O "uai" é uma chave mestra que abre qualquer porta. Ao chegar na casa de um mineiro, basta ouvir um "entra, uai" para já estar autorizado a ir até a cozinha, tomar um café passado na hora e abrir a lata de biscoito de polvilho. O "uai" tem uma generosidade que as outras palavras não têm; sua versatilidade é incontável.


É no coloquial brasileiro que a linguagem mostra sua força: cada expressão carrega a alma de um lugar, o estilo e a cultura da sua gente. Imagino que hoje, lá em cima, McLuhan diga: "oxente, o meio é a mensagem, uai"! E ninguém vai discordar.


Comunicar é quase escancarar a janela do coração mas não é qualquer janela: é daquelas que rangem, batem com o vento e deixam as palavras escaparem atrevidas, tamborilando por aí sem pedir licença. E o mais curioso: às vezes a gente entende até o que não era para entender... Outro dia mesmo, brigava com o computador, tentando ajeitar umas frases, e parecia que a máquina me ralhava: "essa não! Nem essa! Bole outra melhor!". Foi nesse instante que Domingas apareceu com sua joia rara de expressão:


Lina, a cortina ficou uma michorna! O quê, Domingas? - Ela, toda prosa:


-A cortina soltou fiapos de peluscos, embolicadinhos que nem biju de mandioca!


Pensei comigo: João Guimarães Rosa, montado no Burrinho Pedrês, lá do alto dos Campos Gerais, cochicharia: "essa prosa estica mais que olhar de sapo campeando carranqueio na piçarra".

Nesse instante, juro que ouvi Rosa rir de lado, sacudindo o chapéu de couro:


"O povo é quem inventa palavras, tå vendo? É assim que nasce o neologismo. O povo diz, inventa, tropeça e cria. A palavra escapa da boca como cavalo arisco acuado: ninguém doma, mas todo mundo entende. Neologismo é isso, minha fia: a fala cresce como taboa no brejo, sem pedir licença à gramática. A prosa não termina nunca: quando você pensa que acabou, ainda se ouve o tropel levantando a poeira da imaginação lá na frente. A palavra é igual passarinho: nasce pequena, mas se a gente dá espaço, ela inventa voo."


E me recordei de Manoel de Barros, que sabia como ninguém sobre palavras e passarinhos: "a palavra é igual passarinho, não se guarda em gaiola, só no ouvido de quem entende o canto. Passarinho é feito de palavras".


O poder encantador das palavras transforma pessoas, caminhos, mensagens e a aldeia inteira.



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