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A Bandeira como escudo: como Lula usa o nacionalismo para enfrentar crises e ganhar apoio


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As recentes tarifas impostas pelos Estados Unidos às exportações brasileiras revelaram mais do que uma simples disputa comercial. Revelaram, na verdade, um choque entre duas visões de mundo: de um lado, Donald Trump, utilizando a economia como extensão de sua agenda ideológica; de outro, Luiz Inácio Lula da Silva, convertendo a pressão externa em mobilização nacionalista.


Trump não se limitou ao protecionismo tradicional. Pelo contrário, justificou as medidas com acusações políticas diretas: afirmou que o sistema de Justiça brasileiro persegue Jair Bolsonaro e que há parcialidade nas instituições do país. Com isso, o ex-presidente americano cruzou uma linha perigosa, ao subordinar as relações comerciais a julgamentos sobre a democracia brasileira.


Essa acusação, portanto, não se configura como mera opinião política. Trata-se de uma tentativa deliberada de deslegitimar as instituições brasileiras perante a comunidade internacional. Ao transformar essa narrativa em justificativa para restrições comerciais, Trump funde interesses ideológicos com ações econômicas, ultrapassando os limites básicos da diplomacia.


Diante disso, a resposta de Lula foi certeira. Em tom firme, o presidente convocou o orgulho nacional, denunciou a interferência externa e evocou a soberania como princípio inegociável. “A defesa da democracia no Brasil é um tema que compete aos brasileiros. Somos um país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja”, declarou.


Esse movimento vai além da retórica diplomática. Lula mobiliza, nesse contexto, o que a ciência política denomina rally ‘round the flag, um fenômeno no qual líderes ganham apoio popular ao se apresentarem como escudos contra ameaças externas, ativando o patriotismo e os símbolos da pátria como forma de enfrentamento. Assim, fortalece sua imagem como defensor da nação. Num momento em que sua popularidade volta a crescer, o presidente reposiciona seu governo diante da opinião pública: não mais apenas como gestor, mas como protetor do Brasil.


Importa destacar que esta não é a primeira vez que Lula se "enrola na bandeira" para enfrentar adversários. A diferença, agora, é que ele compreende que, na política contemporânea, quem domina os símbolos controla também a narrativa. Ao fazer isso, ele não apenas enfrenta Trump, ele reafirma a autonomia do país e reorganiza sua base de apoio interna com uma narrativa que une soberania, justiça e dignidade nacional.


Nesse sentido, toda essa disputa transcende o campo do comércio exterior. Trata-se, na essência, de um conflito pelo lugar e pelo sentido do Brasil no mundo: se o país se curva a pressões externas ou se afirma como nação autônoma, com instituições, políticas e economia soberanas. Nesse embate, Lula transforma tarifas em símbolo de resistência nacional.


Sua atuação pode, inclusive, ser analisada à luz do conceito de capital simbólico, formulado pelo sociólogo Pierre Bourdieu. Esse tipo de capital representa uma forma de poder baseada no reconhecimento coletivo, conferido a um agente em função do prestígio, da legitimidade e da autoridade moral que ele acumula ao longo do tempo. No caso de Lula, trata-se de um expressivo capital simbólico construído historicamente: ele é reconhecido como líder sindical, ex-metalúrgico, presidente oriundo das camadas populares e figura emblemática da esquerda latino-americana.


No entanto, é importante lembrar que esse capital simbólico não é fixo nem garantido. Ele precisa ser continuamente reativado e legitimado diante das circunstâncias políticas. Em momentos de confronto como o atual, Lula o reconverte estrategicamente ao se posicionar como defensor da soberania nacional frente às pressões externas do governo norte-americano. Dessa forma, reforça sua imagem de representante legítimo da nação e de guardião das instituições democráticas.


Esse tipo de enfrentamento, longe de representar um risco político, tem se mostrado uma estratégia eficaz. Pesquisas recentes, como a da AtlasIntel, apontam uma recuperação na popularidade do presidente, cuja aprovação voltou a superar a desaprovação pela primeira vez em 2025. Isso revela que o discurso de soberania encontra eco na população e fortalece sua autoridade.


Parafraseando livremente uma lição de Maquiavel em O Príncipe, os príncipes sábios souberam, com astúcia, transformar os perigos em meios de engrandecimento, e os ataques externos em instrumentos de unidade interna. Ao eleger um inimigo externo, no caso, a pressão norte-americana travestida de política comercial, e posicionar-se como o líder que defende os interesses e a dignidade nacional, Lula atualiza com habilidade esse ensinamento clássico da realpolitik: em tempos de tensão, a defesa da pátria pode ser o mais poderoso dos capitais.


A bandeira, nesse contexto, não é mero adereço retórico. É escudo institucional. É linguagem de poder. É o Brasil dizendo, com firmeza: “nós decidimos por nós mesmos”.

 

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