PPA de Itaguara: quando a promessa vira festa — e o desenvolvimento fica no papel
- Dionatan Resende

- há 19 horas
- 4 min de leitura

Amanhã, 15 de dezembro de 2025, Itaguara realiza a audiência pública para discutir o PPA – Plano Plurianual de Ação Governamental 2026–2029. Em tese, este é o instrumento mais importante do planejamento público municipal: é no PPA que o governo eleito deve transformar promessas de campanha em prioridades orçamentárias, definindo onde estarão os investimentos, quais programas serão estruturantes e que cidade se pretende construir ao longo de quatro anos.
O problema é que, ao analisar minuciosamente o PPA que será discutido, salta aos olhos um descompasso grave entre o discurso eleitoral do prefeito Luan e a concretude do planejamento orçamentário apresentado.
Durante a campanha — e reiterado no chamado “Jornal do Luan” — algumas promessas ganharam destaque: ônibus gratuito, compromisso com a zona rural, criação de um PSF no bairro Lindorifo, construção de um novo Centro Administrativo e o programa “Desenvolve Itaguara”, voltado ao fortalecimento do parque industrial e à atração de empresas.
No entanto, quando se passa do discurso para o papel — isto é, para o PPA — essas promessas simplesmente não aparecem ou surgem de forma meramente simbólica, sem orçamento compatível com sua complexidade.
Promessas ausentes do PPA
As promessas de ônibus gratuito, PSF no bairro Lindorifo e novo Centro Administrativo não constam no PPA. Não há programa, ação, meta ou dotação orçamentária que permita concluir que essas iniciativas serão efetivamente implementadas entre 2026 e 2029.
A pergunta que se impõe é direta e legítima: como a gestão pretende cumprir promessas de campanha que não foram internalizadas no principal instrumento de planejamento do município?
No direito financeiro e no planejamento público, a regra é clara: o que não está no PPA não é prioridade. Pode até ser discurso, mas não é política pública planejada.
Zona rural e parque industrial
Outras promessas aparecem no PPA, mas de forma que beira o simbólico — e isso, do ponto de vista técnico, é quase tão grave quanto a ausência total.
O chamado “compromisso com a zona rural” é representado pela:
Ação 1.085 – Obra no Sistema de Saneamento Rural, com custo estimado de R$ 412,00 em quatro anos.
Da mesma forma, o apoio à agricultura familiar aparece na:
Ação 2.316 – Aquisição de Máquinas, Veículos e Equipamentos para Apoio à Agricultura Familiar, também com R$ 412,00 no quadriênio.
Esses valores não representam política pública. Representam apenas a manutenção formal de uma rubrica para que ela não apareça zerada. Não é possível falar em saneamento rural, apoio mecanizado ou fortalecimento da produção agrícola com valores dessa ordem.
O mesmo ocorre com o programa “Desenvolve Itaguara”, que, segundo a campanha, deveria apoiar, fortalecer e atrair empresas para o parque industrial. No PPA, isso se materializa na:
Ação 1.067 – Infraestrutura do Parque Industrial, com gasto total estimado em R$ 12.360,00 em quatro anos.
Trata-se de um valor irrisório para qualquer política industrial minimamente séria. Não paga projeto, terraplanagem, acesso viário, energia, drenagem, licenciamento ambiental ou infraestrutura básica. O resultado é claro: do ponto de vista do PPA, Itaguara praticamente não planeja política industrial — justamente a agenda capaz de impactar salário médio, emprego e arrecadação.
Onde, então, está o dinheiro?
Quando se observa para onde o orçamento efetivamente se dirige, a resposta aparece com nitidez.
A Função Cultura soma R$ 20.520.157,97 no quadriênio. Deste total, a Ação 2.040 – Manutenção de Atividades Culturais consome R$ 16.784.365,44, vinculada ao Fundo Municipal de Cultura, que totaliza R$ 17.344.681,71.
Na prática, o PPA transforma eventos e atividades culturais em uma das maiores linhas discricionárias do orçamento municipal — despesas que não são obrigatórias constitucionalmente e que dependem exclusivamente da escolha política do governo.
Esse desenho cria um fenômeno conhecido na administração pública: a “indústria do evento”. Trata-se de gasto recorrente, com forte presença de terceirizações, contratação de serviços e estruturas temporárias, difícil de auditar por resultados objetivos e que não altera estruturalmente a base produtiva da cidade.
Publicidade: o modelo vitrine
A mesma lógica observada na cultura se repete em outras áreas de alta visibilidade pública e baixo impacto estrutural mensurável, reforçando um modelo de gestão orientado à vitrine, e não à transformação econômica de longo prazo.
No campo comunicação institucional, o PPA prevê:
Ação 2.326 – Despesas com Publicidade Institucional, com dotação total de R$ 1.020.000,00 entre 2026 e 2029.
Novamente, o debate não é sobre negar a importância da comunicação pública. O ponto central é o conjunto de escolhas orçamentárias. Quando despesas de manutenção cultural e publicidade institucional somam cifras milionárias, enquanto áreas estratégicas como saneamento rural, apoio produtivo e infraestrutura industrial aparecem com valores simbólicos, o PPA revela com clareza onde estão as prioridades reais da gestão.
Esse tipo de alocação reforça políticas de curto prazo, com forte apelo visual e político, mas baixa capacidade de alterar a base econômica do município, gerar empregos permanentes ou elevar a renda média da população.
O peso da 'máquina pública'
Enquanto investimentos estruturantes aparecem com valores simbólicos, o custeio da máquina pública é robusto. A Ação 2.076 – Manutenção de Atividades Administrativas soma R$ 30.690.046,94 no quadriênio.
Administrar custa, é verdade. Mas quando o orçamento mostra muito custeio e pouco investimento transformador, o risco é evidente: o município passa a funcionar para manter rotinas, eventos e agenda institucional, sem alterar a trajetória econômica e social.
Para completar o quadro, a Reserva de Contingência — o colchão para enfrentar crises, enchentes, quedas de receita, colapsos contratuais ou emergências — é de apenas R$ 400.000,00 em quatro anos. Pouco para um orçamento total superior a R$ 400 milhões no período.
O ponto central da audiência
O PPA é o momento em que promessa vira orçamento. E orçamento revela prioridade. O documento que será discutido amanhã indica que Itaguara está planejando manter o presente, não transformar o futuro.
A discussão que precisa ser feita na audiência pública não é “cultura versus cidade”, nem “evento versus desenvolvimento”. É proporção, estratégia e responsabilidade. Sem investimento real em infraestrutura, saneamento, política industrial e geração de renda, eventos e atividades culturais tornam-se apenas agenda de curto prazo, enquanto a base econômica permanece intocada.
A pergunta que fica para o governo — e para a Câmara — é simples, direta e necessária:
este PPA traduz o projeto de cidade prometido em campanha ou apenas organiza a continuidade do que sempre foi feito?



Resumindo, festas!