
Muitas vezes, quando pensamos em planejamento, temos a impressão de que se trata de uma ideia contemporânea, associada aos séculos XX e XXI, às teorias de gestão ou aos avanços recentes da administração pública e corporativa. Essa visão, no entanto, é absolutamente equivocada.
O planejamento é um conceito muito mais antigo e profundamente enraizado na história humana, presente nas estratégias militares, nas construções sociais e até mesmo na filosofia. Uma das mais notáveis demonstrações dessa sabedoria está na clássica obra A Arte da Guerra, atribuída a Sun Tzu, que há mais de dois mil anos já enfatizava a centralidade do planejamento para alcançar resultados positivos.
O trecho que destaco, atribuído ao comentador Zhang Yu — um dos mais respeitados intérpretes de A Arte da Guerra, que viveu durante a dinastia Song — revela com clareza essa visão. Ele afirma:
"Em tempos passados, antes do início de uma campanha, o general realizava deliberações cerimoniais em seu templo de campo e fazia cálculos. Com estratégias profundas e cuidadosas, o planejamento é de grande importância, e assim se conquista a vitória antes que a batalha comece. Com planejamento superficial, pouco se ganha, e a derrota é certa. Muito planejamento prenuncia a vitória; com menos planejamento, menos certo é o resultado; sem planejamento, a derrota é certa. Daí o ditado: ‘O exército vitorioso chega à vitória antes e busca a batalha depois; o exército derrotado vai à batalha antes e busca a vitória depois’. [Ver capítulo 4, p. 240-1.] A vitória e a derrota residem na presença ou na ausência de planejamento”.
Essa passagem traz uma reflexão que permanece atual. O que Zhang Yu destaca é que o verdadeiro êxito depende da capacidade de antecipar cenários, calcular riscos e organizar estratégias antes que o conflito ou a adversidade aconteçam. A vitória não é fruto apenas da força ou da bravura, mas, acima de tudo, do preparo cuidadoso e minucioso.
A metáfora do “exército vitorioso que conquista a vitória antes da batalha” pode ser transposta para inúmeros contextos contemporâneos: na política, na gestão pública, na economia e até mesmo na vida pessoal. A ideia central é que os resultados positivos não surgem por acaso — eles são consequência de uma combinação de análise estratégica, preparo técnico e visão de longo prazo.
Essa lição se torna ainda mais relevante diante dos desafios que enfrentamos hoje. A complexidade dos problemas contemporâneos — como a crise climática, a desigualdade social e os dilemas econômicos — exige uma resposta planejada e estruturada. A improvisação e as decisões de curto prazo, embora possam parecer soluções rápidas, raramente geram resultados sustentáveis.
A própria Agenda 2030 da ONU, com seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), é um exemplo claro dessa necessidade e um reconhecimento global da centralidade do planejamento para o progresso humano. Pena que muitos países estão negligenciando os ODS e descumprindo vergonhosamente as diretrizes globais para a construção de um mundo melhor e mais virtuoso.
A construção de um mundo mais justo, sustentável e próspero não será alcançada por meio de ações isoladas ou paliativas, mas sim por meio de estratégias integradas e planejadas. Assim como o general descrito por Zhang Yu que “faz cálculos” antes da guerra, as nações e governos que desejam superar os desafios contemporâneos precisam investir em planejamento sólido, estruturado e realista.
No Brasil, essa lição é especialmente urgente. Em áreas como a infraestrutura, a educação e saúde, a ausência de planejamento (sobretudo na base da federação, os municípios) tem sido uma das principais causas de políticas públicas ineficazes, desperdício de recursos e ampla frustração social. As gestões que se destacam pela eficiência são justamente aquelas que dedicam tempo ao diagnóstico adequado, à formulação de estratégias coerentes e à execução planejada.
Retomar o protagonismo do planejamento é essencial se quisermos alcançar resultados efetivos no presente e no futuro. Essa retomada, no entanto, exige mais do que apenas ferramentas técnicas ou métodos sofisticados — ela exige uma mudança de mentalidade. Planejar significa compreender que grandes conquistas não são fruto do acaso, mas sim do esforço consciente de analisar, projetar e agir com base em objetivos claros e bem definidos.
Como ensina Zhang Yu, “a vitória e a derrota residem na presença ou na ausência de planejamento”. Essa sabedoria milenar é um lembrete poderoso de que aqueles que se preparam adequadamente têm chances muito maiores de alcançar seus objetivos — enquanto aqueles que ignoram essa etapa essencial correm o risco de caminhar rumo ao fracasso.
Se quisermos construir um futuro mais justo e próspero para a humanidade (e isso está fortemente conectado à prática da sustentabilidade e da ecologia integral) é fundamental que recuperemos e aprimoremos a visão estratégica e cuidadosa do planejamento. Afinal, como nos lembra a tradição milenar: é na preparação que se molda a vitória.
Referências Bibliográficas
ONU. Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Organização das Nações Unidas, 2015. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 11 mar. 2025.
SUN TZU. A Arte da Guerra. Tradução e comentários de Samuel B. Griffith. São Paulo: L&PM Pocket, 2018.
ZHANG YU. Comentário sobre 'A Arte da Guerra' de Sun Tzu. In: SUN TZU. A Arte da Guerra. Edição comentada. Trad. André Bueno. São Paulo: Estação Liberdade, 2016.
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