“ O vento foi um pássaro e fugiu para fora de si mesmo quando os homens o quiseram capturar. Deixou de ter corpo, fez ninhos nas nuvens e viaja com elas para pousar quando se cansa. É por isso que o vento canta.” M.C.
Dia desses, me deparei com esses “versos”, do Escritor e Biólogo moçambicano , Mia Couto. Antônio Emílio Leite Couto, dentre muitos prêmios literários que já recebeu, ganhou o Prêmio Neustandt, tido como o Nobel Americano. Segundo me revelou o Wikipédia, ele e o brasileiro, nordestino, João Cabral de Melo Neto, são os únicos escritores de língua portuguesa que receberam esta honraria.
Bem, para além das apresentações e dos créditos necessários, vamos nos ater ao texto. Esse texto poético e cheio de simbolismos e metáforas, me pegou. Já o compartilhei com varias pessoas e agora socializo com os leitores do Sagarana Notícias.
Que petulância a minha, refletir com base nesses expoentes da literatura e pretender qualquer análise da obra, dirão alguns. Mas insisto na minha intuição, ela já me levou para além, onde nem os pés sonhavam pisar.
À luz da minha aldeia e dos diversos lugares, que meu traseiro ocupa, somando também as múltiplas janelas e salas, virtuais ou não, que meus sentidos adentram, percebo uma contemporaneidade no pensamento, que me faz guardar Mia Couto na manga. Uma carta, que lançada à mesa, numa situação de jogo ou não, produz indagações pertinentes.
Bora lá?
Uma das interpretações possíveis em relação ao pensamento de Couto, nesse texto, é a de que o vento não se deixou prender pelos homens que o quiseram capturar, e num ato de resistência e liberdade, despiu-se do seu próprio corpo, para preencher o infinito, como bem quisera.
Dos pensamentos que veem com base nas escutas e percepções diárias, um movimento de “ desconstrução”, vem ganhando espaço nas redes e salas de jantar. Não sei precisar ao certo o tempo disso, mas nas últimas décadas, somos chamados a releituras da nossa história civilizatória, colonialista, capitalista e obviamente humana. Certo?
Quem descobriu quem? Quem descobriu o quê? Quem já existia? Quem nomeou os bois? Que formatou, enquadrou, encaixotou, editor, suprimiu, redigiu...
Muitos verbos de ação a serem revistos e pensados, no intervalo em que a água enche o copo e você mata sua sede. Ou melhor, você se hidrata, pois tomar água não é só quando você já está sedento. Não. Aí já reside um desequilíbrio e um perigo. Manutenção e tudo.
De forma objetiva sem muito rococó, o que trago aqui é um a reflexão sobre o corpo do vento, um pássaro - um pássaro que curiosamente não cantava. E depois destituído de sua matéria, passou a cantar.
O Pássaro deixou de ser pássaro, para ser vento. Teria morrido e ressuscitado? Acordou em outra dimensão mais progressista, que respeita individualidades e onde se convivem em harmonia, com certa tranquilidade, acolhendo as diversidades?
A desconstrução dos rótulos dados, nomes atribuídos, artigos definidos e cores pautam as nossas relações atuais. Estaríamos aprendendo ou reaprendendo? Penso que toda ideia de desconstrução, passa pela premissa de que algo já está posto. Algo já foi imposto. Algo já foi socialmente estabelecido e devidamente construído. Tudo isso há que se perguntar: sobre a ótica de quem? Atendendo a que interesses?
Exemplo: um filme. Um único roteiro, dirigido por um homem falando sobre questões femininas é possível? O mesmo filme, mesmo roteiro, dirigido por uma mulher teria outras leituras e vivências? Um vida negra, sendo narrada por uma visão do branco, como sempre foi e essa mesma vida negra, sendo narrada pela visão de outro negro, traria outras camadas?
Penso que isso muito nos interessa e o aprendizado pede urgências, para que existências não sejam apagadas.
Mas não distanciando da poesia de Couto, quero frisar a felicidade do vento, que era pássaro, que deixou de ser pássaro para ser vento e se integrar de forma fluida à natureza das coisas. Estaria eu querendo falar de evolução? De algo vivo que se transforma ao longo da existência e a força encantadora que tais mudanças podem agregar no convívio social?
Eu o desafio aqui no desenvolvimento desse olhar, dessas subjetividades aí, na sua aldeia. E como andam os modos operantes.
Acho que foi no quinto ano que apreendi esta frase: “Na natureza nada se cria, nada se perde tudo se transforma.” Lavoisier
Sigam refletindo por aí que eu sigo por aqui, divagando. Bora cantar com o vento.
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