Diamante Bruto
- Camilo Lélis
- há 6 dias
- 4 min de leitura
Olá, leitoras e leitores do Sagarana Notícias! Como estão? Bom tê-los aqui.
Por ora, sigo em devaneios…
Como já disse nesta coluna, escrever me alivia a alma. Gosto das palavras e acho que elas se enamoram da minha pessoa.
Há momentos em que tenho vontade de escrever sem fim, sem a necessidade de concluir a crônica ou o poema, fazer da escrita um barco, me alojar nele e remar… à escrever águas, formando rios de letras até desaparecer atrás da serra.
Enquanto eu caminhava hoje, o vento sussurrou essas questões, que abaixo compartilho. Boa leitura!
Da urgência do fazer, em contraste com a necessidade do ser
Fazer pressupõe “executar tarefas”.
Ser demanda autoinvestigação.
Não que os verbos não se unam na construção de algo, pois, fazendo, nos descobrimos sendo, e a gente segue se encontrando nos gerúndios.
Cabe a reflexão: de um lado, um pensamento que impulsiona para executar ações; de outro, um pensamento que nos instiga ao mergulho em si mesmo.
Caboclo aberto, falante; o outro sujeito ensimesmado, reflexivo.
Um amigo me disse:
— Se a vida te disser “pare”, pare de pensar na vida e siga.
Será?
No caminho das demandas ordinárias, há pouco ou nenhum espaço para o extraordinário. E, por vezes, a parada lhe possibilita contemplar paisagens nunca notadas. Você já deve ter ouvido alguém dizer:
— Passo sempre naquela estrada, mas nunca reparei.
Adélia Prado diz que se admirar de um bezerro de duas cabeças é algo que qualquer um é capaz, mas se admirar de cenas do cotidiano é tarefa para poucos. E aí o extraordinário se revela.
O brotar de uma semente, um céu estrelado, um bolo de fubá sendo servido ou mesmo a água que sai da torneira podem nos tirar o chão, podem nos desarmar, se você parar e “botar reparo”.
Muitas vezes, nos causa arrepios pensar em como se é, de fato.
Nossos gestos, atitudes, sentimentos nos provocam de tal maneira que o melhor é mudar o rumo da prosa e seguir vivendo.
Se auto-inquirir nem sempre pressupõe julgamento, onde os juristas precisam estar todos presentes.
Não estou falando de um ritual de autoflagelação! Visto que, uma vez na terra, somos como diamantes brutos no caminho da lapidação, para que se encontre a melhor forma, o melhor brilho. Ou não?
Sei lá eu… Mas vejo que a problemática é passível de uma “solucionática”, se o fazer não fosse tão imperativo. Ou devo dizer hiperativo?
Temos a exata medida para oferecer em relação ao “bom comportamento” do outro; já a medida para o nosso comportamento é frequentemente negligenciada.
Quantas vezes nos decepcionamos com a teoria proferida pelo outro, tendo conhecimento da prática na qual tal pessoa está inserida?
Deixamos de seguir, compartilhar, curtir…
Deixamos de frequentar lugares, cancelando, por assim dizer, os falsos profetas.
Silêncio, pausa, olhares, escuta: ações que parecem dialogar com o vazio ou com o nada.
Mas o que é o nada?
Mudar de calçada, de casa, de trabalho e até de nome requer pensamento e decisão. Custa.
No universo do “nada costa”, tudo custa. E, se não for revisado, paga-se um alto preço por não alinhar o ser, não balancear o ser…
No mundo contemporâneo, a palavra de ordem contraria o ser:
fazer rápido, fazer correndo, fazer tudo, ocupar-se — como sinônimo de produtividade e sucesso.
A palavra é: desacelerar.
Talvez caiba aos profissionais da Psicologia a escuta e os direcionamentos, mas decisões cabem a cada um.
Se você está guiando em uma estrada de mão única e resolve parar, o que lhe acontece?
Agora, se for uma pista de mão dupla e você resolver mudar de pista e seguir na contramão, o que lhe acontece?
Fato é que há algo além de nós que nos manipula de tal forma que não nos permite questionar, que não dá tempo para pensar em ser.
Estruturas, padrões, metas, fórmulas de sucesso…
Causas e consequências. Contabilizamos as consequências, nos transformamos em números. Estes expressos em relatórios estatísticos. Mas as causas parecem pouco divulgadas, pouco refletidas. Causas não ganham o mesmo destaque, viram diagnósticos confidenciais.
Se fez, por que fez?
Reprodução da reprodução.
Sigo fazendo, fazendo, sem alterar a dinâmica, sem pensar nas causas, sem pensar em lapidar o ser…
Sigo sem a melhor forma ou o melhor brilho.
Sinto, no mundo atual, uma crescente “birra” no ato de se relacionar com o outro.
Por que estamos nos distanciando tanto do coletivo?
Ter que conviver com o outro parece tarefa para os “fortes”, numa sociedade artificial. Somos menos gente e mais “qualquer coisa”. Na busca por conteúdo, vende-se tudo, menos conteúdo.
Fernando Pessoa, gigante da literatura portuguesa, nos legou esses versos que nos cutucam com vara curta:
“(…)
Para onde vai a minha vida, e quem a leva?
Por que faço eu sempre o que não queria?
Que destino contínuo se passa em mim na treva?
Que parte de mim, que eu desconheço, é que me guia?”
Em outro poema, ele ri da nossa cara:
“Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida (…).”
Bom, prezado leitor, até aqui algumas faíscas para uma possível chama.
Daria um final para o texto, mas deixo para você essa tarefa…
Sigam refletindo, e fico por aqui, divagando.
06 maio 2025.
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