Duas amigas muito próximas encontravam-se sempre, caminhavam juntas, conversavam muito. De repente, sem nenhum motivo aparente, uma delas se afastou, parou de conversar, ficou em silêncio. Após dois ou três meses, por acaso, elas se encontraram e a amiga que ficara sem entender o porquê daquele sumiço, resolveu perguntar:
_ O que foi que eu fiz? Por que você desapareceu, não conversa mais?
E a amiga respondeu:
_ Nada, estou dando um tempo.
A outra, rindo, observou:
_ Uai! Dando um tempo? Quem dá tempo é namorado, a gente não namora...
Ri muito quando compartilharam comigo esse fato, que agora transformo num “causo”. Aliás, mineiro tem essa mania, gostamos de contar algo que acontece conosco ou com outra pessoa, fazendo com que a história se torne irreverente ou se pareça com uma lição de vida.
Voltemos ao diálogo entre as duas amigas e destaquemos essa frase: “Estou dando um tempo.” Inicialmente, essa expressão soou como uma resposta indelicada, porque não é comum alguém dar um tempo em uma amizade. Entretanto, quis refletir melhor sobre isso, fiquei ruminando essa expressão interiormente e concluí que em nossas vidas, deparamos com situações em que é importante darmos um tempo.
Meditando sobre isso, lembrei-me de uma passagem dos Evangelhos em que Jesus, depois de um tempo de missão, reuniu os discípulos e disse: “Vinde a sós para um lugar deserto, e descansai um pouco” (Mc 6,31). Jesus compreendia que precisamos de momentos assim, é prudente, diante de algumas situações da vida, darmos um tempo. Um tempo para nós, para os outros. Um tempo...
É muito comum esquentarmos a cabeça tentando resolver determinado problema, deixamos tudo, focamos somente na busca daquela solução, e muitas vezes, não conseguimos resolver. Então, decidimos dar um tempo. Deixamos o problema de lado por alguns instantes, oxigenamos a mente, respiramos, pensamos em outras coisas, tomamos um café, caminhamos ou fazemos algo semelhante, e, então, “de repente, não mais que de repente”, como diria o poeta, encontramos a solução que tanto procurávamos.
No século XVI, um grande místico da igreja, Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus – Ordem dos Jesuítas, já recomendava: “Durante momentos de desolação não tome nenhuma decisão”, ou seja, nas horas de provação, de angústia, não é aconselhável que nada decidamos. É melhor deixar passar um tempo, até que fiquemos com a cabeça mais fria para que assim, tenhamos possibilidade de decidir de maneira mais acertada.”
Para Santo Inácio, também nos momentos de grande alegria não seria bom tomarmos decisões profundas, o excesso de entusiasmo pode nos levar a uma escolha precipitada. Inclusive, há um ditado que resume, com maestria, esse conselho inaciano: “Não dê castigo quando estiver muito nervoso, nem prometa algo quando estiver muito feliz”
Assim sendo, chegamos a um conceito essencial da teologia de Santo Inácio de Loyola, e, por conseguinte, da espiritualidade cristã: o discernimento. De modo bem simples, o Papa Francisco – que é um jesuíta e, portanto, grande conhecedor da espiritualidade inaciana, resume o discernimento como “a capacidade de ouvir o próprio coração”. Diz o Santo Padre: “Para conhecer o que acontece, qual decisão tomar, julgar uma situação, é preciso ouvir o próprio coração.” Nós ouvimos a televisão, o rádio, o celular, somos mestre da escuta, mas pergunto: você sabe ouvir o próprio coração? É preciso parar para dizer: Mas o meu coração como está? Está satisfeito, triste, busca algo? Para tomar boas decisões, é preciso ouvir o próprio coração”.
É sempre favorável que tenhamos oportunidades para nos dar um tempo e procurarmos ouvir o nosso coração e também a voz de Deus sussurrando em nosso ouvido. Podemos contar com o auxílio de outras pessoas, buscar aconselhamento, mas, nas grandes decisões de nossa vida, estaremos sempre sozinhos, por isso, o discernimento é uma atitude muito importante. Portanto, dar um tempo é oportunidade para discernir, para nos afastar um pouco daquilo que nos angustia e analisar qual será a melhor opção.
Haverá situações em que não teremos tanto tempo assim para reflexão, mas podemos nos lembrar do que o apóstolo São Paulo dizia: “Discerni tudo e ficai com o que for bom (1Ts 5,19). Em outra passagem, ele escreveu também: “E isto eu peço a Deus: que vosso amor cresça ainda, e cada vez mais, em conhecimento e em toda percepção, para discernirdes o que é melhor” (Fl 1,9-10).
O discernimento é fundamental em várias situações de nossa vida. Aproveitemos sempre que possível as oportunidades para dar um tempo, escutar o coração, procurando ficar com o que é bom, para que sejamos capazes de tomar boas decisões.
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