As eleições deste domingo (10/03/2024) em Portugal trouxeram à tona um cenário político bastante complexo, marcado pela vitória tímida da Aliança Democrática (AD), uma concertação tradicional da centro-direita portuguesa, e pelo crescimento vertiginoso do partido de extrema-direita "Chega", aquele liderado por André Ventura, que disse na semana passada que se conquistasse o poder proibiria a entrada do presidente Lula em seu país.
Alguns pontos desse resultado e as implicações que ele traz para o panorama político português.
1. Vitória tímida da Aliança Democrática (AD)
A AD, resultado da união dos partidos da direita clássica portuguesa - PPD/PSD (Partido Social Democrata), Partido Popular (CDS–PP), Partido Popular Monárquico (PPM) e independentes - conquistou uma vitória tímida nestas eleições com apenas 0,8% de diferença para o Partido Socialista (PS), que governava o país desde 2015.
Essa coligação de partidos de centro e direita defende políticas econômicas conservadoras e aborda questões sociais sob uma perspectiva tradicional. Não se pode afirmar que a AD atue fora dos princípios democráticos ou que possua inclinações autoritárias. Nos últimos 50, anos PS e AD se alternaram no poder em Portugal.
Durante o processo eleitoral, Luís Montenegro, líder da coalizão, tinha pedido aos portugueses uma maioria sólida para que a AD pudesse formar um governo sozinha, mas o resultado obriga o líder da centro-direita a negociar. Os liberais do Iniciativa Liberal (IL) não são suficientes para a AD, uma vez que só elegeram 8 parlamentares.
Ontem, no discurso de vitória reafirmou que não comporá com a extrema-direita: “Nunca faria a mim próprio, ao meu partido e à democracia portuguesa tamanha maldade que seria incumprir compromissos que assumi de forma tão clara”, disse Montenegro.
* A coligação ganhou, até o momento (com 99,1% das urnas apuradas) 79 cadeiras na Assembleia da República.
** OBS: São necessários 116 cadeiras para que o partido forme um governo.
*** Ainda faltam a definição de 4 cadeiras
2. Ascensão do "Chega", de Extrema-Direita
Apesar da vitória da Aliança Democrática (AD) nas eleições, o partido de extrema-direita "Chega", liderado pelo polemista André Ventura, registrou um grande crescimento em sua base eleitoral, conquistando o terceiro lugar, quadruplicando o número de deputados.
Ventura capitalizou a insatisfação dos portugueses com a criminalidade, o aumento da imigração e a corrupção para garantir o rápido crescimento de seu partido. Na noite de ontem com a divulgação das primeiras projeções, Ventura proclamou: “Hoje é o dia que assinala o fim do bipartidarismo em Portugal”. Sua retórica, semelhante à de outros líderes de extrema direita globalmente como Donald Trump, Jair Bolsonaro e Javier Milei, questionou a confiabilidade das urnas, apesar de serem essas mesmas urnas que lhe garantiram 48 deputados no domingo.
O fenômeno observado em Portugal com o "Chega" ecoa tendências semelhantes ao bolsonarismo brasileiro e ao movimento de extrema direita na Europa. Ambos compartilham características, como a defesa de políticas de segurança mais rígidas, a crítica à imigração e um forte apelo ao conservadorismo social. Além disso, esses movimentos tendem a se posicionar contra instituições democráticas estabelecidas, questionando a legitimidade do judiciário e da imprensa. É evidente que a extrema direita se mostra articulada e capaz de mobilizar apoio em diferentes contextos políticos.
* A agremiação extremista passou de 12 para 48 cadeiras no parlamento português.
3. Diferenças entre AD e "Chega"
Enquanto a AD busca uma abordagem política moderada e acena, inclusive, para o PS, o "Chega" adota posições totalmente extremas, especialmente em questões como imigração e segurança pública.
Essa divergência ideológica representa um desafio imenso para a formação de alianças políticas e a governabilidade futura do país. Alguns pesquisadores denominam o movimento liderado por Ventura como "bolsonarismo português".
O Chega entrou no Parlamento em 2019 e habilmente surfou na onda do descontentamento do eleitor com os políticos tradicionais. Em cinco anos, tornou-se capaz de influenciar fortemente no percurso sociopolítico e econômico que o país seguirá.
4. A situação do Partido Socialista
Nos últimos 50 anos, o Partido Socialista (PS) governou por 26 , estabelecendo-se como uma força política sólida em Portugal. O período mais extenso de liderança ocorreu sob António Costa, de 2015 a 2024.
Após a derrota nas eleições de 2024, o PS enfrenta um desafio de reposicionamento. Reiterando seu papel como principal partido de oposição, o PS declarou que não apoiará um governo liderado pela Aliança Democrática. Ao mesmo tempo, Pedro Nuno Santos como líder do partido, assumiu a responsabilidade pela reconstrução do PS e a resistência ao crescimento do Chega.
A liderança de Pedro Nuno Santos foi reafirmada, destacando-se sua missão de convencer os portugueses e reconciliá-los com as políticas do partido. Em um cenário político complexo, com uma direita enfraquecida e a extrema-direita em ascensão, prevê-se um período de instabilidade que o PS tentará aproveitar para manter sua relevância e influência política visando à volta ao governo. Santos encerrou seu pronunciamento com uma icônica frase de seu colega e ex-primeiro-ministro e ex-presidente português, Mario Soares, morto em 2017 aos 92 anos de idade: "Só é vencido quem desiste de lutar.”
* O PS conquistou agora 77 cadeiras na Assembleia da República, uma redução significativa em relação às 120 cadeiras conquistadas nas eleições legislativas de 2022.
5. Contexto Internacional
A ascensão da extrema-direita em Portugal é parte de um fenômeno mais amplo que vem se manifestando em vários países em todo o globo e que também afeta a Europa, onde questões como migração e segurança têm impulsionado o apoio a partidos populistas e nacionalistas. Essa onda ultradireitista também atingiu as terras lusitanas, sendo representada pelo partido conservador Chega (CH), fundado em 2019, e refletindo uma tendência global de ascensão dos movimentos de extrema-direita e populistas nacionalistas.
Paralelamente ao que aconteceu no Brasil com a ascensão do bolsonarismo, a Europa também tem sido palco de um aumento significativo na popularidade de partidos e líderes políticos que defendem agendas ultraliberais e conservadoras.
Esse fenômeno pode ser observado em escala global, com a eleição de figuras como Viktor Orbán na Hungria (2010), Donald Trump nos Estados Unidos (2016), Jair Bolsonaro no Brasil (2018), Giorgia Meloni na Itália (2022), Bukele em El Salvador (2019), e Javier Milei na Argentina (2023), entre outros.
Concluindo...
Diante desse cenário, combater a ascensão da extrema direita requer uma resposta abrangente e global, transcendendo fronteiras e unindo diversos movimentos progressistas. É imperativo reconectar-se com as raízes populares, apresentar um plano abrangente de mudanças estruturais e reiterar valores fundamentais. Essa batalha só pode ser travada por meio da mobilização popular nas ruas, construindo espaços coletivos que envolvam partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais.
Desconsiderar o avanço da extrema direita, tanto no contexto brasileiro quanto global, expõe a sociedade a riscos graves. Essa omissão pode resultar em políticas repressivas, agravamento da desigualdade e aprofundamento das divisões sociais, comprometendo a estabilidade e o progresso social. Para perpetuar uma sociedade cada vez mais desigual, o capital financeiro recorre a medidas cada vez mais autoritárias e repressivas, caracterizando uma fase neofascista do neoliberalismo.
Esses movimentos se apoiam em discursos simplistas, anti-intelectuais e nacionalistas, encontrando terreno fértil na identidade nacional e no conservadorismo moral. Isso ocorre para forçar os países a se submeterem ao neoliberalismo e abandonarem suas aspirações de desenvolvimento nacional autêntico e soberano, bem como de estabelecerem alianças alternativas e estratégicas com atores da periferia global.
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