top of page

A grandeza de Vital Brazil e a modéstia dos mineiros

Por Alisson Diego Batista Moraes


Vital Brazil (1865-1950)
Vital Brazil (1865-1950)

Outro dia, assistindo a um vídeo nas redes sociais, deparei-me com uma fala do poeta e cronista Fabrício Carpinejar, gaúcho de Porto Alegre, hoje residente em Belo Horizonte, que vem se dedicando com argúcia a observar e traduzir aspectos da alma de Minas Gerais. Ele dizia, com certa ênfase bem-humorada, que o mineiro é modesto diante da grandeza das figuras históricas que tinham nascido nas alterosas. E acrescentava: “Mineiro é humilde, e posso provar”.


Pouco depois, encontrei a mesma reflexão desenvolvida em sua crônica A modéstia do mineiro, publicada no jornal O Tempo, em setembro de 2023. Com estilo lírico-observador, Carpinejar afirma que o mineiro, embora tenha “todos os argumentos para sobressair no país”, permanece na sua, quieto, comedido, adepto de longos silêncios. É, segundo ele, o “come-quieto” por excelência. A crônica é um elogio etnográfico instigante, mas também revela uma tentativa de captar uma ética do não alarde, do gesto inteiro sem ostentação.


Na crônica, Carpinejar sustenta que o mineiro, apesar de ter todos os motivos para a arrogância (haja vista as tantas grandezas históricas e naturais), escolhe o caminho da discrição. Para sustentar sua tese, enumera algumas das figuras mais emblemáticas da história brasileira, todas nascidas em Minas. Refere-se a Pelé como o maior jogador de futebol de todos os tempos, a Santos Dumont como o maior inventor, a Drummond como o maior poeta, a Guimarães Rosa como o maior prosador. Fala de Adélia Prado como a maior poeta viva, de Clara Nunes como a maior cantora da MPB, de Ary Barroso como o compositor mais marcante. Lembra de Carlos Chagas como o cientista de maior relevância do país, e evoca nomes como Betinho, símbolo da luta pelos direitos humanos, Chico Xavier, expoente máximo do espiritismo brasileiro, e Aleijadinho, cuja obra atravessou séculos. Há também Carolina Maria de Jesus, exemplo de superação e voz literária potente, e Chica da Silva, presença histórica que reinventa as narrativas do poder.


A variedade geográfica desses nomes impressiona: vêm de cidades distintas, de diferentes cantos do estado, formando uma constelação diversa que nasce do mesmo solo: Minas Gerais. É dessa densidade coletiva que Carpinejar extrai a ideia de uma “modéstia inexplicável”, que parece contradizer a grandiosidade de tudo o que Minas já ofereceu ao país; da fé à ciência, da música à literatura, da luta política à medicina.

Sem querer parecer bairrista em demasia, devo admitir que concordo com Carpinejar: Minas ofereceu muito ao Brasil. E talvez tenha oferecido tanto justamente por não se anunciar. A grandeza que emerge da modéstia, do trabalho paciente, da interioridade que pensa o país de dentro para fora, tem sido uma marca recorrente das contribuições mineiras à cultura, à política, à fé e à ciência. Ao lado dos nomes que ele tão bem recorda, caberia ainda evocar outros, entre eles, um dos mais importantes é Vital Brazil Mineiro da Campanha. Que nome forte, né? Filho do sul de Minas, seu nome parece carregar, ao mesmo tempo, destino e síntese: ciência, país e pertencimento.


Sua memória nos interpela especialmente neste 2025, ano em que se completam 160 anos de seu nascimento, em 28 de abril de 1865. Seu nome ecoa como síntese: Vital, por sua importância para a saúde pública e para a ciência nacional; Brazil, o próprio país encarnado; Mineiro da Campanha, porque de Minas ele herdou o método, o pudor do gesto, o compromisso com o bem comum. Vital Brazil é, por isso mesmo, uma das expressões mais altas da mineiridade em sua forma civilizatória.


Médico formado no Rio de Janeiro, Vital Brazil dedicou sua vida ao estudo da toxicologia, à imunologia experimental e à saúde pública. Sua principal contribuição científica foi o desenvolvimento dos soros antiofídicos específicos e revolucionou o tratamento de picadas de cobras venenosas, estabelecendo novas bases para a imunização no Brasil e no mundo. Em vez de um soro genérico, ele identificou a necessidade de especificidade conforme o tipo de veneno.


Fundador do Instituto Butantan, em São Paulo, e do Instituto de Higiene, Soroterapia e Veterinária (atual Instituto Vital Brazil), em Niterói, criou centros de pesquisa e produção científica que ultrapassaram seu tempo e permanecem, até hoje, como pilares da saúde pública brasileira. Atuou com nomes como Oswaldo Cruz, Emílio Ribas e Carlos Chagas, mineiro de Oliveira. Fez parte de uma geração pioneira que compreendia a ciência como parte do projeto civilizatório do país.


Vital Brazil não se limitou ao laboratório. Criou cartilhas educativas, desenvolveu instrumentos práticos para a coleta de animais peçonhentos, e elaborou estratégias para levar conhecimento técnico à população rural. Aproximou a ciência da vida cotidiana e revelou uma visão ampla do papel do cientista: alguém que pesquisa, mas também comunica; que inventa, mas também ensina.


Faleceu em 1950, aos 85 anos. Seu legado está nas instituições que fundou, nas pesquisas que empreendeu, nas vacinas e soros que ainda percorrem o país, nas políticas públicas de saúde que se inspiram em sua obra. Contribuiu, sobretudo, com um modo de pensar a ciência a partir das necessidades reais da população.


É claro que caberiam outros mineiros nessa galeria de grandezas nacionais. Mas dois, em especial, mereceriam figurar entre os nomes destacados por Carpinejar: Juscelino Kubitschek, um Democrata com D maiúsculo de Diamantina; e Tancredo Neves, um Sábio articulador com S maiúsculo de São João del-Rei. Dois estadistas forjados na escuta, no equilíbrio e na fé no futuro.


Mas essa é uma conversa que fica para outra ocasião, porque hoje as láureas são devidas à celebração dos 160 anos de nascimento do grande Doutor Vital Brazil, Mineiríssimo de Campanha.

Comments


marca sagarana-branca_Prancheta 1 cópia 4.png
  • Copyright © 2024 Sagarana Notícias

  • Instagram
  • Facebook
  • Twitter
bottom of page